Anorexia nervosa e prevenção

Anorexia nervosa e prevenção

ANOREXIA NERVOSA E PREVENÇÃO

Seriam as anoréxicas as nossas meninas-roseira?

Em visita recente ao Chile, uma imagem remeteu-me, subitamente, às meninas que sofrem de Anorexia Nervosa. Nas vinícolas dos grandes vales, ao pé da Cordilheira dos Andes, roseiras florescem na frente das colunas de vinhas. A visão, intrigante e de uma beleza extraordinária, sugere inicialmente o capricho do vinicultor e seu desejo de embelezar o vinhedo. No entanto trata-se de prevenção: no caso de uma praga atingir a região, as roseiras, por serem mais sensíveis, serão as primeiras a exibir os sinais da doença. Funciona, assim, como um alerta e permite que as uvas sejam salvas. Pensei, então, nessas meninas que morrem anoréxicas, meninas-roseira lindas e sensíveis, que com sua morte silenciosa alertam para os males causados pela praga do momento: a exigência despropositada de magreza. À morte da modelo Ana Carolina seguiram-se outras tantas, noticiadas pelos jornais. No entanto cerca de 20% da anoréxicas morrem devido a complicações do quadro ou suicídio. E só agora esse fato vem sendo veiculado pela mídia. Por isso, ainda que tardiamente, são corretas as medidas tomadas pelas agências de modelos no sentido de proteger essas meninas-roseira das passarelas. Mas e nós, profissionais da saúde, como nos posicionaremos frente a essa “praga” que se alastra, decorrente, entre outras causas, de uma exigência descabida de um corpo sem carne e sem formas?

Conhecer a doença: a melhor forma de ajudar

A moda atual é apenas um dos fatores responsáveis pelo desencadeamento da Anorexia Nervosa. Mas ainda que não seja o único, sua importância é capital, por envolver a questão da imitação. Hilde Bruch, psiquiatra e psicanalista alemã que desenvolveu seu trabalho de pesquisa nos Estados Unidos na década de 60, já alertara, naquela época, para esse comportamento tão característico das anoréxicas. Observando como muitas meninas desenvolviam a doença após terem tido algum tipo de contato com ela, por meio da leitura de depoimentos ou outro tipo de informação, Bruch cunhou a expressão “me too anoréxicas” para designar esse comportamento imitativo, decorrente de déficits básicos do sentido de si mesmo, da identidade e do funcionamento autônomo. Jovens anoréxicas teriam tido dificuldade, ao longo de sua infância, de manifestar seus desejos e sentimentos frente aos pais, parecendo agir sempre em resposta à expectativa de outros. Apresentam, também, grande dificuldade em perceber as experiências corporais, o que as leva a não confiar em suas próprias sensações e sentimentos. Tendo dificuldade em identificar seu próprio corpo, olham para ele como algo separado de si ou como pertencente a seus pais. A anoréxica, para Bruch, seria como uma lousa em branco, a ser preenchida com a personalidade de cada nova pessoa com quem se envolve, com aquilo que a amiga gosta ou quer fazer. Tanto que, para essa autora, esse tipo de comportamento imitativo poderia ser o responsável pelo rápido aumento da incidência da Anorexia nos últimos anos. Em outras palavras, poderíamos dizer que, frente à angústia da ausência de uma identidade, é menos desesperador ser anoréxica do que não ser ninguém.

Ao contrário do que muitos acreditam, a Anorexia Nervosa não é um fenômeno exclusivo da modernidade, e esse comportamento imitativo pode ser observado, igualmente, quando se estuda a evolução da Anorexia Nervosa através da história. Segundo a literatura, dois verdadeiros surtos de Anorexia foram registrados em outras épocas e aparecem descritos no livro Do altar às passarelas. Da Anorexia santa à Anorexia Nervosa (Weinberg e Cordás, 2006). O primeiro deles teve como palco a Idade Média e, como protagonistas, as santas jejuadoras. Ao comportamento restritivo dessas mulheres, surpreendentemente semelhante ao das anoréxicas atuais, dá-se o nome de Anorexia Santa. Sua motivação, obviamente, era outra, pois o ideal do corpo emagrecido não atendia a um apelo estético, mas a um ideal de santidade e purificação. No entanto, os relatos dos confessores, as biografias, os depoimentos de testemunhas que conviveram com as santas e que foram ouvidos nos processos de canonização, constituem verdadeiros relatos clínicos. Ali se observam, além da restrição alimentar, o isolamento, a hiperatividade, o perfeccionismo e uma vontade férrea de atingir um ideal.

Santa Catarina de Siena, o maior exemplo de busca deste ideal de perfeição por meio de uma vida ascética, teve seu comportamento imitado por inúmeras outras santas jejuadoras.
Santa Maria Madalena de Pazzi é uma delas. Aos 16 anos, ao ingressar no convento e receber os votos, trocou seu nome de batismo, Caterina, que lhe havia sido dado em homenagem a santa Catarina, por Maria Madalena. A adoção do nome Maria Madalena foi também uma escolha influenciada pelos escritos de Caterina de Siena, que a cita como um modelo para si mesma porque, após a morte de Cristo, Madalena teria jejuado por 33 anos seguidos. Assim, não parece haver dúvida de que Maria Madalena de Pazzi foi profundamente influenciada pelas idéias de Catarina e procurou imitá-la, especialmente no que diz respeito ao comportamento alimentar.

Outra santa que tomou Catarina de Siena por modelo e o seguiu fielmente foi Rosa de Lima. Depois de ler sobre sua vida, iniciou um severo jejum e cortou os cabelos como Catarina o fizera para impedir que a casassem. Nos seus últimos anos preparou a fundação do monastério de santa Catarina de Siena, em Lima, erguido logo após a sua morte. Por sua vez, Rosa de Lima teve um grande número de seguidoras, como as beatas iluminadas e s rosas (fundadoras do Monastério de las Rosas de Lima) e santa Veronica Giuliani.
No século XIX, um outro “surto” do quadro ocorreu entre meninas da Inglaterra, França e Estados Unidos, sob o rótulo de Clorose. Os médicos lamentavam as conseqüências do Byronismo sobre os hábitos alimentares das jovens, que ingeriam doses de vinagre para adquirir, além da magreza, um aspecto pálido e frágil. Mas isso não era tudo: além de influenciadas pelo Romantismo, essas meninas se inspiravam em Catarina de Siena, admirada pelo autocontrole e elevação espiritual, pois a leitura de sua biografia fazia parte de uma boa educação.

Sabendo que a imitação é um fenômeno que ocorre normalmente na adolescência e especialmente entre jovens propensos a desenvolver um transtorno alimentar, duas questões se impõem. Uma é a da responsabilidade dos estilistas e produtores da moda, que ao promoverem nas passarelas imagens glamourosas de meninas esquálidas, motivam um batalhão de adolescentes que as tomam por modelo. Todas querem ser magras como elas, ainda que o preço seja a saúde física e mental.

Outra questão é a da prevenção, uma vez que a sugestão faz das políticas de prevenção uma faca de dois gumes. A literatura comprova que programas de prevenção dos transtornos alimentares em escolas acabam obtendo resultados contrários aos esperados, uma vez que levam a um aumento da restrição alimentar. Quanto aos programas de prevenção primária, que têm por objetivo desenvolver a análise crítica dos adolescentes, a aceitação do próprio peso e chamar a atenção para os benefícios de uma boa alimentação, os resultados são melhores.

Com toda essa valorização da magreza, como se explica que não sejamos todos anoréxicos?
Somente a pressão da moda e o fator imitação, ainda que significativos, não justificam o desenvolvimento de um transtorno alimentar. Por que alguns jovens ficam anoréxicos e outros não? Porque são necessárias condições psicológicas para tanto. Meninas e meninos que ficam anoréxicos têm um perfil comum, um tipo de personalidade perfeccionista, que os leva a perseguir um ideal de magreza. Têm um histórico de bons filhos e bons alunos, crianças obedientes e dóceis, com muita dificuldade para expressar sua vontade. Dependentes e apegados a seus pais, sentem a adolescência como algo perigoso. Deixar de comer e manter um peso abaixo do esperado é, sem dúvida, um meio de manter os cuidados e a dependência infantil.

O tipo de personalidade, assim como fatores genéticos, culturais e familiares seriam pré-condições para o desenvolvimento de um transtorno alimentar, como afirma Brian Lask no capítulo do livro Anorexia Nervosa and Related Eating Disorders in Chilhood and Adolescence (1999), intitulado “Aetiology”. Sem eles, é pouco provável que o transtorno se desenvolva. Por outro lado, é necessário que haja também um fator precipitante, desencadeador do processo: uma dieta, situações de separação ou perda. E existem ainda os fatores que mantêm a doença, que o autor chama de perpetuantes, como, por exemplo, a discórdia entre os pais. É comum ouvir de pais de pacientes anoréxicos que eles se separariam, mas não o fazem porque precisam cuidar do filho ou da filha doente. Ou que estão esperando sua cura para poderem separar-se. A grande contribuição de Lask está, precisamente, na observação de que é preciso que existam os três fatores, concomitantemente, para que ocorra um transtorno alimentar.

O que a família pode fazer?

A família tem um papel preponderante na questão da Anorexia Nervosa: na sua gênese, na sua manutenção e no tratamento. Na sua gênese porque estudos mostram que as famílias de meninos/meninas anoréxicos tendem a ter muita dificuldade em estabelecer limites, expor seus conflitos, lidar com as situações de separação e luto e viver uma sexualidade adulta. Lembram aqueles vinhedos lindos e ordenados, com uma bela roseira na frente, a primeira a dar mostras de que as coisas não vão tão bem assim. Na sua manutenção porque, em muitos casos, não conseguem acompanhar o processo da adolescência dos filhos, que supõe separação, individuação e autonomia deles. E no tratamento, para que possam elaborar esses lutos e aceitar o crescimento e amadurecimento de seu filho.

É por isso que a inclusão da família no tratamento da Anorexia é tão importante. No primeiro momento, é preciso ajudar a família a entender o que está acontecendo na sua casa, onde um menino ou menina se recusa a comer e prefere morrer a ingerir um pedaço de pão. Onde, em lugar daquela filha meiga e dócil, encontram uma adolescente irritadiça, mal humorada, que se isola no quarto e só pensa em calorias. Frente ao corpo esquelético da filha, que continua se achando gorda, perdem a paciência, ora se sentindo culpados, ora querendo esganá-las. A orientação à família é fundamental para que os pais entendam e colaborem com o tratamento.

Infelizmente, nem sempre se consegue a colaboração da família. Muitos pais resistem a ver que, por trás daquela “mania de fazer dietas”, está uma doença grave. Em muitos casos a própria dinâmica da família mantém o quadro, uma vez que as filhas manipulam facilmente seus pais. Primeiro porque a mãe tende a mostrar sentimentos ambivalentes em relação à filha, fato facilmente observável quando ela não consegue seguir as determinações do médico, permitindo, por exemplo, que sua filha faça exercícios abusivos quando está à beira de um internamento por desnutrição grave. Ou não seguindo a recomendação médica de não deixar que a menina faça as refeições sem acompanhamento. Segundo, porque o pai, na maioria das vezes, não consegue exercer seu papel de interditor, separando psiquicamente mãe e filha e protegendo esta última de uma relação sufocante e invasiva.

Em defesa da lei

Quando falha a função paterna, surge a necessidade de uma lei externa que faça, pelos pais, aquilo que eles não estão conseguindo fazer. Proibir meninas com menos de 16 anos e com IMC abaixo de 18 de desfilar é muito saudável, pelo menos nesse momento crítico. A proibição tem suas falhas, porque estar magro não é sinônimo de estar anoréxico e porque a exigência de um exame médico não significa nada no caso deste tipo de doença, em que exames clínicos e laboratoriais, na maioria das vezes, não são suficientes para diagnosticá-la.

Por outro lado, se meninas com um peso normal começarem a fazer sucesso nas passarelas, nas propagandas e nas capas de revistas, a busca pelo corpo magérrimo tenderá a diminuir.
Já conhecemos esta história: em meados do século XVII, quando os jejuns e as autoflagelações perderam significado religioso e foram substituídos pela caridade, pelo ensino e pela ajuda, o número de santas jejuadoras diminuiu.

Aí está nossa responsabilidade social: enquanto passarmos aos jovens a mensagem de que só magro faz sucesso e que “quanto mais magro, melhor”, por que eles abandonarão esse projeto de morte?

Para conhecer mais:

Anorexia e Bulimia. Rodolfo Urribarri (org.). Escuta, 1999.
Anorexia e Bulimia Nervosa: uma visão multidisciplinar. Henriette A.Bucaretchi (org.). Casa do Psicólogo, 2003.
Anorexia mental, ascese, mística. Eric Bidaud. Companhia de Freud, 1998.
Do altar às passarelas. Da Anorexia Santa à Anorexia Nervosa. Cybelle Weinberg e Táki Athanássios Cordás. Annablume, 2006.
Transtornos alimentares. Maria Helena Fernandes. Casa do Psicólogo, 2006.

Revista Mente&Cérebro, ano XIV, n. 171, 2077, p. 76-83

Non Ducor Duco

Non Ducor Duco

Non Ducor Duco*

Sobre a necessidade imperativa de controle nos Transtornos Alimentares

Sentada na poltrona à minha frente, Julia, de 17 anos, conta mais uma vez como foram as brigas em sua casa. Na maioria das vezes elas ocorrem porque os pais insistem para que ela coma, ainda que Julia acredite já ter comido o suficiente. Muito magra e com sinais de anorexia nervosa, não aceita que decidam o que e quanto ela deve comer. Por isso as brigas ocorrem, principalmente, na hora das refeições. Mas desta vez o motivo da discussão não foi a comida. Ela está revoltada porque a mãe interfere demais em seu namoro, questionando e “se intrometendo em tudo”. E na noite anterior a essa sessão, depois de ouvir a mãe contar ao pai algo que havia descoberto sobre ela e o namorado, começou a gritar e correu para o seu quarto, onde se trancou por várias horas até se acalmar.

Este fato chamou minha atenção porque não era a primeira vez que dizia que trancada em seu quarto, quieta e olhando para as paredes, conseguia certa tranqüilidade. Diferentemente de outros adolescentes, não era no computador, ao celular ou com o som alto que conseguia se acalmar. Era na quietude e na imobilidade que parecia se recuperar. Pedi, então, que o descrevesse para mim. De início, uma descrição de quarto comum de garotas, com livros, CDs, bichos de pelúcia, posters… E, de repente, um item inusitado: uma grande bandeira da cidade de São Paulo, esticada na parede em frente à sua cama. Eu lhe digo apenas Non ducor duco! E ela sorri para mim, satisfeita por ter sido compreendida: não quer que se intrometam na sua vida, que decidam o que deve vestir, comer, com quem deve namorar, que faculdade deve cursar. Enfim, que deseja conduzir sua própria vida.

Mas podemos ir um pouco adiante desse fato. A clínica nos mostra que além de quererem conduzir suas vidas, como acontece com a maioria dos adolescentes, jovens com anorexia controlam a fome e outras necessidades corporais, a família – que fica impotente frente a uma vontade férrea que as deixa à beira da morte -, e se possível também a equipe que conduz o tratamento.

O desejo de Julia de conduzir e não ser conduzida – porque em sua vida sempre a conduziram -, ou controlar e não ser controlada, é apenas um dos muitos exemplos que ouvimos na clínica dos Transtornos Alimentares. Antonio, um jovem anoréxico, dizia odiar quando, na puberdade, tinha ereções espontâneas, porque não as controlava. Lucia, 29 anos, com bulimia desde os 12, come descontroladamente, mas “decide” o que vai vomitar: come primeiro os alimentos calóricos e os vomita em seguida, repetindo esse comer e vomitar até se sentir cansada. Só depois de ter “vomitado tudo” come a salada e a deixa no estômago.

“Com Lactopurga VOCÊ controla seu intestino!”

Impossível não associar a frase acima, uma propaganda de laxante veiculada nos meios de comunicação, com os relatos de pacientes que exigem, de seu corpo, uma submissão total às suas determinações: peso, altura (uma paciente anoréxica queria chegar a medir 1,80m, a qualquer custo), o que e quanto comer,  vomitar, evacuar, ainda que, para isso, conduzam seu corpo a um estado de sofrimento indescritível.

Como compreender então o sentido dessa guerra, cuja batalha final leva à morte do corpo e impede que a vitória seja saboreada pelo vencedor? O que levaria alguém a viver de um modo miserável, em nome de algo estabelecido como meta? A resposta pode ser encontrada no comentário de uma jovem anoréxica, a respeito de uma modelo morta por inanição: Tiro o chapéu para quem morre magro. Mas tem que morrer magro de anorexia, não vale morrer magro de câncer ou de AIDS. Uma frase como esta, impactante e absurda num primeiro momento, pode, no entanto, trazer alguma luz para o entendimento desse conflito. Porque, em última instância, trata-se de um conflito. Um conflito entre aquilo que se quer e aquilo de que o corpo necessita para continuar vivendo. Em outras palavras, entre um superego massacrante e um corpo indefeso, que sucumbe nesse embate.  

Diante desse quadro, a questão apresentada ao clínico é a seguinte: seriam essas manifestações expressões de uma necessidade de controle obsessivo ou sintomas de um quadro melancólico? A que se deve esse desejo de controle?

Independentemente de ser um sintoma melancólico ou obsessivo, a necessidade vital de controle é um recurso último, radical, surgindo diante da impossibilidade de controlar qualquer outro aspecto da vida. Frases como “Minha mãe sempre falou por mim”, “Nunca pude decidir nada”, são clássicas na clínica dos transtornos alimentares e mostram como, caso não controlem ainda que apenas as necessidades corporais, a sensação é de impotência absoluta.

Outra característica marcante desses pacientes é o seu discurso autoacusatório, do tipo “Coitada da minha mãe, como eu a faço sofrer…”, e sempre protetor da figura materna. Como entender essa fala, constatada facilmente na clínica? E por que essas mães permitem que seus filhos ou filhas arrisquem a vida gastando até a última de suas calorias em atividades físicas, ou que deixem filhos com ideação suicida administrarem a própria medicação?

Essas observações nos fazem lembrar, primeiramente, do conceito de identificação com o agressor, mecanismo de defesa inicialmente descrito por Ferenczi em 1932 e depois por Anna Freud, em 1936. Como explicam Kahtuni e Sanches no Dicionário do Pensamento de Sándor Ferenczi :

“Sendo um dos possíveis efeitos do trauma na criança, a identificação com o agressor é um tipo de defesa psíquica no qual o sujeito confrontado com o objeto traumatogênico – normalmente uma figura de autoridade significativa -, identifica-se com seu agressor, compreendendo suas razões e introjetando sua culpa. Isso explicaria o fato surpreendente e comum de o sujeito traumatizado comumente sair em defesa de seu agressor.” (p. 211)

Pensemos sobre o processo da adolescência, momento crítico e propício para o desenvolvimento de um transtorno alimentar: em um certo momento do desenvolvimento – a puberdade -, é natural e esperado que a criança comece a ter uma visão mais crítica de seus pais. Pais heróis caem por terra e é preciso suportar a raiva e a dor da perda, aceitando os pais reais e encarando a necessidade de entrar no mundo adulto, precisando abandonar o “paraíso” da infância. Porém para a menina sem forças emocionais para elaborar esse luto, restaria apenas uma saída: incorporar a mãe idealizada, afastando a dor da desidealização. Comprometendo o processo de identificação, ela estaria impedida de seguir em frente no caminho em direção à feminilidade: quando deveria imitar a mãe, busca apagar em si qualquer traço lembrando um corpo de mulher. Negando a perda, vive em um eterno presente, controlando tudo: o outro incorporado, a realidade, o corpo, o tempo, e até a morte, se pensarmos como vivem à beira do abismo… A acusação dirigida a si mesma revelaria, por um lado, a raiva sentida por essa mãe (por não ser a mãe amorosa, idealizada por ela) e, por outro, o quanto está unida a ela.

Freud nos diz, em Luto e melancolia (1915), que se observarmos com atenção um paciente nessas condições, veremos que as críticas e depreciações feitas contra si não se aplicam verdadeiramente a si mesmo, mas a alguém que ele “ama, amou, ou deveria amar”. E que “as auto recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente”. (p. 280)

Considerando estes aspectos – necessidade de controlar, recusa em aceitar a realidade, dificuldade em elaborar perdas, discurso auto acusatório -, podemos associar os transtornos alimentares à melancolia e com isso chamar a atenção para a sua gravidade pois, como afirma Berlinck (2011), “em suas manifestações mais intensas, a melancolia pode ser vista como psicose”.

*A frase em latim Non Ducor Duco, que aparece escrita no brasão da cidade de São Paulo, significa “Não sou conduzido, conduzo”.

 

Referências bibliográficas

BERLINCK, M T. Prefácio. In BURTON, R. A Anatomia da melancolia. Curitiba; UFPR, 2011.

KAHTUNI, H C.; SANCHES, G P. Dicionário do pensamento de Sándor Ferenczi: uma contribuição à clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Elsevier; São Paulo: FAPESP, 2009.

FREUD, S. Luto e Melancolia. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974.


Artigo publicado originalmente em Eating Disorders, suplemento da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, V. 15, n.3, setembro de 2012, com o título Non Ducor Duco. On the Urgent Need to Control, as Seen in Eating Disorders, p. 732-737.

Tratamento psicodinâmico dos Transtornos Alimentares

Tratamento psicodinâmico dos Transtornos Alimentares

Tratamento psicodinâmico dos Transtornos Alimentares

Cobelo, A. W.; Gonzaga, A. P.; Weinberg, C.

Os Transtornos Alimentares, especialmente nas últimas décadas, têm sido objeto de estudo de muitas investigações científicas. Pesquisadores como Lask (2000), Mitchel (2001) e Cordás (2004) têm demonstrado o caráter multifatorial na etiologia desses transtornos. São unânimes ao considerar os aspectos constitucionais, sociais, culturais, familiares e de personalidade na origem desses transtornos, e ressaltam a importância de uma abordagem que considere a complexidade clínica no tratamento dessas patologias.

Devido a essa complexidade, faz-se necessário avaliar os aspectos físicos, sociais e psicológicos dos pacientes, para propor uma terapêutica multidisciplinar estruturada que integre profissionais de diferentes áreas: médico psiquiatra, nutricionista, psicólogo e terapeuta familiar. Nesse contexto, o próprio papel da terapia psicanalítica precisa ser revisto como mais um recurso a ser utilizado no tratamento, o que requer adaptações.

A abordagem psicanalítica tem sido considerada uma terapêutica indicada para o tratamento dos Transtornos Alimentares, especialmente se articulada a uma equipe multidisciplinar, devido às complicações clínicas e de risco que esses pacientes apresentam, e que não podem ser negligenciadas.

Como afirma Jeammet (1999), a abordagem psicanalítica pode se apresentar sob duas vertentes: uma clássica, com adaptações da psicoterapia analítica no quadro de uma relação dual, e uma outra, que integre uma série de abordagens multidisciplinares que incluem outras técnicas e outros profissionais. A direção do tratamento analítico, ainda que centrada no sintoma, tem como objetivo ir além do seu desaparecimento, visando a elaboração do conflito subjacente a ele.

Do ponto de vista psicanalítico, o sintoma é uma solução de compromisso entre o desejo inconsciente e a censura psíquica, ou seja, um representante desse conflito. Se eliminado, mas não resolvido o conflito subjacente a ele, o sintoma pode retornar ou ser substituído por um outro, diferente. Do ponto de vista psicanalítico, as crises bulímicas e a recusa anoréxica podem ser compreendidas como comportamentos que substituem a elaboração psíquica esperada na resolução de conflitos intrapsíquicos. Os sintomas característicos da Anorexia e da Bulimia podem ter uma variedade de significados, desde dificuldades nos processos de individuação próprios da adolescência, até sensibilidade a mudanças socioculturais.

Esta compreensão viabiliza tanto a sustentação psicodinâmica quanto a orientação para o trabalho psicoterapêutico. A avidez ou o repúdio, por exemplo, também se apresentarão no vínculo com o terapeuta. A maneira como esses pacientes se apresentam reflete sua dificuldade em resolver problemáticas relacionadas especialmente ao narcisismo, entendido como base para processos de diferenciação e de desenvolvimento da identidade que remontam `as fases precoces do desenvolvimento infantil. Falhas nesse processo promovem dificuldades importantes tanto nas referências de identidade como na discriminação do que é próprio ao mundo interno ou externo. Observa-se, por exemplo, como pacientes com Transtornos Alimentares são susceptíveis ao que lhes é demandado, dito, ou como são vistos. Para Jeammet, são sujeitos cuja “auto-estima é tributária deste suporte externo” (op. cit. p.119), o que os leva a oscilar da polaridade de uma dependência idealizada a uma autosuficiência quase autística. Ou, se transpusermos para os quadros clínicos, da vulnerabilidade bulímica à rigidez anoréxica. Essa susceptibilidade narcísica impõe ao analista a necessidade de reconsiderar alguns manejos, especialmente no que diz respeito às interpretações. Brusset (1999) sublinha a necessidade de conduzir o processo analítico de tal maneira que promova o acesso à elaboração dos conflitos vividos por esses pacientes como descobertas próprias. Ou seja, pouco se interpreta de fato, mas se conduz o tratamento de tal forma que o paciente ativamente reconheça seus pensamentos e emoções.

Adaptações da técnica psicanalítica

Muitos estudos psiquiátricos, segundo Scazufka e Berlink (2004), não recomendam o tratamento psicanalítico para os transtornos alimentares, chegando mesmo a contraindicá-lo, sob o argumento de que seria pouco eficaz. Tal posição merece algumas considerações.

Segundo estes autores, esta recomendação deriva dos estudos de Hilde Bruch com pacientes anoréxicas, que apresentam, como característica principal, a pouca autonomia e a queixa de que suas mães sempre falaram por elas. No enquadre analítico, as interpretações dos significados inconscientes de sua fala, feitas pelo analista, reforçariam, na transferência, o vínculo de dependência e repetiriam as suas vivências de invasão. Bruch recomenda então uma atitude mais ativa do analista, estimulando as pacientes a pensarem por si próprias.

Desse modo, a psicanálise em seus moldes tradicionais requer adaptações ao ser eleita como terapêutica no tratamento dos Transtornos Alimentares. Sem dispensar a formação clássica do psicanalista no manejo dos recursos técnicos e metodológicos (transferência, abstinência, atenção e análise da contratransferência, resistências etc.), esses quadros exigem uma certa adequação da técnica e do enquadre. Essas “adaptações” dizem respeito à

  • atitude do analista que, como afirma Brusset ( cit., p.140), deve deixar ao paciente “a iniciativa da fala sem nada impor, oferecendo-lhe uma atenção igual para tudo o que ele manifesta de si mesmo, ficando, durante as sessões, completamente disponível e benevolente quaisquer que sejam seus propósitos, constituindo uma experiência nova que seduz e inquieta”, tendo o “valor de uma reparação narcísica”;
  • elaboração de um contrato de peso com o paciente, fixado no início do tratamento. Esse contrato de peso, proposto pela primeira vez por Helen Deutch, em meados da década de 40, consiste em uma promessa mútua, em que a paciente se compromete em não perder peso e em contrapartida o analista jamais a encorajará a comer ou perguntará sobre sua alimentação. Fiorini (1999) chama a atenção para o caráter tecnicamente inovador desse tipo de contrato e o aproxima do que chama, em seu trabalho com patologias narcisistas, de “intervenção vincular”, que compreenderia uma vasta gama de intervenções ativas do analista sobre o vínculo com o paciente, podendo assim desejar e manifestar que o paciente não morra de inanição;
  • necessidade de manter contato com os outros profissionais que acompanham o paciente, e com sua família;
  • observação de que esses pacientes não se beneficiam do uso do divã, sendo a posição face-a-face a mais recomendada, uma vez que precisam “ser vistos” pelo analista e usá-lo em sua função de espelho pelo menos até que a sua capacidade simbólica seja restaurada;
  • preparação para o trabalho com adolescentes, uma vez que esses transtornos se iniciam principalmente na fase da adolescência, que por si só exige um trabalho diferenciado.

 

Referências bibliográficas

Brusset B. Conclusões terapêuticas sobre a bulimia. In: Urribarri R (org.) Anorexia e Bulimia. São Paulo: Escuta; 1999.

Cordás TA. Transtornos alimentares: classificação e diagnóstico. Rev Bras Psiquiatr Clín 31 (4), 2004, 154-157.

Deutsch H. Anorexia Nervosa. In: Urribarri R (org.) Anorexia e Bulimia. São Paulo: Escuta; 1999.

Fiorini H. Comentários ao artigo de Helen Deutsch. In: Urribarri R (org.) Anorexia e Bulimia. São Paulo: Escuta; 1999.

Jeammet P. As condutas bulímicas como modalidade de acomodação das desregulações narcisiscas e objetais. In: Urribarri R (org) Anorexia e Bulimia. São Paulo: Escuta; 1999.

Lask B. Aetiology. In: Anorexia Nervosa and Related Eating Disorders in Childhood and Adolescence. Lask B; Bryant-Waught R. Psychology Press Ptd. UK, 2000;cap.5, 63-79.

Mitchel J. The Oupatient Treatment of Eating Disorders. University of Minessota Press, 2001, 115-117.

Scazufca A C; Berlink MT. Sobre o tratamento psicoterapêutico da anorexia e da bulimia. In: Cardoso M R (org) Limites. São Paulo: Escuta, 2004, 89-106.


Artigo publicado originalmente em Cadernos da CEPPAN, n. 1, março de 2008.

Cabeça Vazia é oficina do diabo

Cabeça Vazia é oficina do diabo

“Cabeça Vazia é oficina do diabo”

– uma compreensão psicanalítica da depressão na Anorexia Nervosa*

Por que elas pioram quando melhoram?

Essa questão se impõe como um enigma a todos os profissionais que acompanham pacientes portadoras de Anorexia Nervosa. Quando internadas, chegam sem entender o motivo de espanto de todos diante de sua magreza. Sentem-se bem, não vêm nenhum problema com seu peso, achando inclusive, que deveriam perder ainda um pouquinho mais.
Com o início do tratamento e consequente saída da crise, essas pacientes afirmam que “estão se sentindo pior”, “deprimidas”, e fazem de tudo para deixar a internação, com o firme propósito de perder peso novamente.

O objetivo deste artigo é, então, refletir sobre o sentido inconsciente da Anorexia Nervosa, uma vez que a prática nos mostra que essas pacientes, abandonando a contagem obsessiva de calorias, queixam-se de um vazio profundo e são tomadas, segundo elas, por um “desejo de morte”.
No entanto, a literatura médica é quase unânime na descrição de uma melhora do quadro depressivo concomitante ao ganho de peso.

Assim, cabe perguntar de que depressão estamos falando. Será que médicos e psicanalistas estão falando da mesma depressão? Ou ainda: o que significa melhorar e piorar para os médicos, para os psicanalistas e para as pacientes?
Trata-se de um episódio depressivo ou de um estado melancólico o que vemos?

Freud, no decorrer de sua obra, segundo Moreira (2002), utiliza melancolia, depressão e depressão melancólica, na maioria das vezes, como sinônimos, sem estabelecer uma distinção clara entre os termos.
Em Luto e Melancolia ( 1915 ) Freud aproxima a melancolia do processo de luto normal, na medida em que em ambos os casos se sofre a perda de um objeto amado, para em seguida distingui-las, uma vez que no luto a perda é por um objeto conhecido, enquanto que na melancolia não se sabe o que se perdeu.

A queixa do melancólico é enigmática (Freud, 1915), porque não sabemos o que o faz sofrer tanto. Além disso, o melancólico se deprecia e se desvaloriza ao máximo, chegando a sentir pena dos próprios parentes que se ligam a uma pessoa tão desprezível quanto ele. E se isso corresponde ou não à realidade pouco importa, porque ele fala do ponto de vista de alguém que perdeu seu amor-próprio.

Aliás, a característica mais marcante da melancolia é essa insatisfação com seu próprio ego. No melancólico, “uma parte do ego se coloca contra a outra, julga-a criticamente e, por assim dizer, toma-a como seu objeto” (Freud, 1915).

No entanto, acrescenta Freud, se observarmos com atenção um paciente nestas condições, veremos que as depreciações e críticas que faz contra si não se aplicam verdadeiramente a ele, mas a alguém que ele “ama, amou ou deveria amar”. Isso só é possível porque esse objeto foi escolhido sobre bases narcísicas e houve uma identificação do ego com o objeto.

Sendo o ego igual ao objeto, há uma recusa do melancólico em perdê-lo. O vínculo que ele tinha com o objeto, passa a ter com seu ideal. Assim, uma parte do ego, dividido, pode atacar a outra parte, identificada com o objeto. Daí ser possível dizer do melancólico que ele não está atacando a si mesmo, mas àquele a quem está identificado.
E quanto à perda de que ele sofre, pode-se concluir, como Freud, que é uma perda na vida pulsional (Freud, 1892-/1899).

Na “Classificação de transtornos mentais e de comportamento” da CID-10, da Organização Mundial de Saúde, não encontramos a melancolia, mas sim a “depressão grave” contrapondo-se à mania e os “episódios depressivos”, caracterizados pelo humor deprimido, perda de interesse e prazer e energia reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída. Outros sintomas comuns são a concentração e atenção reduzidas; auto-estima e autoconfiança reduzidas; ideias de culpa e inutilidade; visões pessimistas do futuro; ideias de suicídio; sono perturbado; apetite diminuído.

Assim, a depressão de que se queixam as anoréxicas no momento de aumento de peso não é essa descrita acima, mas tem muito mais a ver com a melancolia descrita pela Psicanálise. O vazio por elas descrito é mais um sintoma de um estado melancólico, a manifestação de um luto que não pôde ser elaborado, a sombra de um objeto que caiu sobre o ego (Freud, 1915).

Violante (1994) observa que crianças mal amadas, isto é, crianças que perderam o amor materno prematuramente, desenvolvem uma “potencialidade melancólica”. Isto se deve à falta da função materna, responsável pela instauração do narcisismo e introdução do sujeito na ordem da sexualidade. Caberia então à função paterna, segundo Violante, restaurar o narcisismo e introduzir o sujeito na ordem do simbólico, através da castração simbólica e da oferta de alternativas ao narcisismo ferido.

Penso que as meninas anoréxicas foram, de certa forma, crianças mal amadas, uma vez que não foram vistas como seres únicos e desejantes. E parece ser delas que nos fala Violante, quando afirma: “o sujeito potencialmente melancólico, por ter sido desqualificado narcisicamente, representa-se como desprovido de atributos desejáveis pelos outros, a começar pela mãe. Dessa maneira, ele supõe ser a causa de seu sofrimento, a causa de haver perdido o amor materno, assim como de perder tudo o que possui de bom, isto é, de tudo aquilo que seja capaz de lhe fornecer referenciais identificatórios passíveis de serem por ele investidos.” (Violante, 1994, p.35)
Como elas mesmas dizem,“Coitada da minha mãe, como eu a faço sofrer…”
Penso que Freud acreditaria absolutamente nessa afirmação!

“Cabeça vazia é oficina do diabo”

Esta frase me foi dita por uma paciente de 18 anos internada no Ambulim. Apesar da sua magreza escandalosa, ela estava convencida de que não tinha nada e não entendia a preocupação dos demais com a sua sobrevivência.

No entanto, assim que começou a ganhar peso, isto é, a melhorar físicamente, começou sua queixa de que estava piorando. Queixava-se, principalmente, de que antes tinha pensamentos obsessivos sobre comida, peso, calorias, mas que agora, internada, não adiantava se preocupar com isso, porque era obrigada a comer. Sua cabeça, vazia desses pensamentos, começou a se ocupar da sua real situação familiar. Começou a se dar conta do seu abandono na enfermaria, não recebia visitas, sua mãe não vinha vê-la. Se sentia deprimida, chorava muito e dizia saber que quando saísse da internação, a mãe não iria “bancá-la”.

Dizia, na terapia, que estava percebendo que a sua família não era tão legal assim, que sua mãe a abandonara – “como sempre”-, mas que a adorava e não queria culpá-la por nada. E aí dizia – “Está vendo? São pensamentos de cabeça vazia…”

Sobre seu pai, que sempre a deixou fazer tudo o que queria, dizia – “Ele me deixou solta”. E concluía: “Ele bem poderia ter facilitado as coisas para mim!”.
Outras garotas dizem o mesmo durante a internação: – “Antes eu estava bem, sem problemas, só queria estar magra, e agora estou mal, sem projetos para a minha vida”.

De quais abandonos aquela menina falava? Do abandono real durante a internação, do abandono frente às dificuldades da adolescência ou do abandono de um bebê que não teve seu sofrimento acolhido?
Pensemos no bebê recém-nascido, necessitado de que lhe saciem a fome, mas também necessitado de alguém que esteja em tal sintonia com ele que acolha seu sofrimento e perceba seu desamparo. Me parece que a mãe dessas meninas, nesse momento de instauração do psiquismo, ofereceu o alimento concretamente, isto é, fez uma cisão entre o alimento e a referência que o alimento traz, suprindo apenas a demanda de alimentar, mas impossibilitada de oferecer tudo o mais que acompanha o alimento – a demanda de amor.

É a chamada mãe funcional, que ofereceu apenas o alimento, mas negou o “algo mais”, possibilitador da instauração do desejo. Em outras palavras, como foi oferecido esse primeiro alimento? Só comida?
Para Winnicott (1962), a mãe capaz de alimentar o seu bebê é aquela cuja função de alimentar se estende além da necessidade física. Uma satisfação alimentar, para ele, pode ser uma sedução, mas pode também ser traumática, dependendo de como chega à criança.

Além disso, faz parte da função materna segurar esse bebê, envolvê-lo carinhosamente, contê-lo. O sentimento de estar vivo, de se reconhecer como tal, se dá primeiro pelo toque da mãe no corpo do bebê. Só depois ele reconhece aquilo que está fora desse corpo. Portanto o limite do seu corpo, o seu contorno, é a mãe quem lhe dá.

Se não há um limite dado pela manipulação, em seu lugar aparece a sensação de estar a diluir-se.
Ainda para Winnicott, a sensação de habitar um corpo é uma conquista, não é natural. “Magra eu me sinto mais concentrada”, me disse uma paciente anoréxica. O que ela queria dizer com isso? Mais contida?
Medo de comer e se diluir” revela a ideia de que seu corpo não tem um limite, um contorno, e o alimento pode ultrapassar esse limite corporal que é tão frouxo.

Trata-se de um limite corporal muito concreto, que reflete a dificuldade de um limite psíquico: “Me sinto esparramando quando sento no banco do ônibus e não tem ninguém ao lado”. “Se não cruzo as pernas minhas coxas se esparramam”.

Essas meninas não sabem se estão gordas, magras, se esparramando… Não sabem a forma do seu corpo, porque isso nunca pode ser interiorizado. Elas não conseguem se ver, porque nunca foram vistas. Para que alguém se veja, é preciso que antes seja visto pelo outro. O bebê vai ser espelhado nos olhos do outro – “sou visto, logo existo”.

Winnicott afirma que, quando meu existir é visto e compreendido por alguém, me é devolvida, como uma face refletida em um espelho, a evidência de que necessito de ter sido percebido como existente.
Adviria daí, supõe-se, a sensação de não pertencimento, de não saber seu lugar nesta vida, que as meninas anoréxicas descrevem:
Sabe quando você chega numa festa e não conhece ninguém? Está ali de bico? Me sinto
assim no mundo, entre as pessoas.

Na pergunta que ela se faz – “Quem sou eu?” – aparece não só uma questão de identidade, mas uma dificuldade em se ver separada de sua mãe. E na sua resposta – “Sou anoréxica e a anorexia foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida”, a doença aparece como a solução encontrada para ser alguém, como uma máscara que a define.

Minha mãe sempre falou por mim” mostra como a mãe da anoréxica não a vê separada dela, não havendo lugar psíquico para a filha. Este é o sentido do “nunca foram vistas”, porque elas são extensões de suas mães: nunca separadas, diferentes, sem outro desejo que não o delas.
Um tal enlace nos leva a pensar que essas meninas, aprisionadas numa relação de exclusividade mãe-filha, foram impossibilitadas de entrar numa triangulação edipiana, permanecendo numa fase pré-edípica do desenvolvimento.

A chamada fase pré-edípica do desenvolvimento, nas meninas, foi descrita por Freud ( Feminilidade, 1932) como um período que precede a entrada no Édipo, caracterizada por um intenso amor da menininha pela sua mãe e onde não há espaço para o pai.

Bidaud (1998) denomina “experiência de tentação” a esse apego pré-edipiano à mãe, em oposição à “fantasia de sedução”, que concerne ao pai. A passagem de um estágio a outro consistiria em um “salto estrutural”, uma “modalidade de acesso à castração simbólica”. Pela identificação paterna a filha pode escapar ao sono narcísico, se o pai a desejar, se tiver um lugar no desejo da mãe ou se, intrusivamente, ele instalar-se entre as duas. Para Bidaud o núcleo do drama da anoréxica está nessa passagem, no tempo de mudança de objeto.

O mesmo pensa Dolto (1984), ao situar a origem da Anorexia entre os 3 e os 6 anos de idade, no momento da constatação das diferenças genitais, quando as meninas atingem o saber de sua pertinência sexual e o orgulho, narcísicamente gratificante, de se tornarem mulheres como suas mães. Tentando agradar o pai, a menina faz-se sedutora e desenvolve qualidades femininas, na ânsia de suplantar sua mãe aos olhos dele. Mas, para que tenha êxito nessa sua entrada no Édipo, é preciso que o pai também a olhe, sedutoramente mas ao mesmo tempo firmemente colocado sob a lei do incesto.

No entanto um pai fraco, desqualificado pela mãe na sua função de pai e de marido, “deixa a filha solta”, como disse a paciente. A quem ela deverá contentar ou descontentar?
Segundo Dolto, o casal de pais da anoréxica vive de maneira infantil, num clima que pode ser agradável ou desagradável, mas assexuado. E adviria daí o medo consciente dessas meninas de engordar, mas com um significado inconsciente de criar barriga, engravidar. Lembremos uma das teorias sexuais infantis, de que os bebês crescem na barriga por causa dos alimentos ingeridos.

Apagar os contornos arredondados femininos do seu corpo teria, além do objetivo de disfarçar os desejos incestuosos pelo pai, que transparece numa relação conflituosa, agradar também a mãe, que nunca a considerou uma jovem advindo mulher.

O pensamento obsessivo com comidas, peso, calorias estaria, então, no lugar do quê?
De um medo de se diluir, se esparramar, perder o contorno, desaparecer?
Essa preocupação com a comida teria uma função de preenchimento psíquico, de povoar um universo sentido como vazio?
Voltemos a Bidaud:

“A interioridade é aquilo que se arranja pelo espaço vazio deixado pela perda do objeto primordial. Se a mãe se dedica a tamponar o vazio, a escondê-lo, mantendo seu filho como objeto exclusivo de seu desejo, este não poderá elaborar o vazio” (1998, p. 92)

Qual a saída para essas meninas? Sem os pensamentos obsessivos, é o vazio, a morte. Com os pensamentos obsessivos, não conseguem fazer mais nada, impedidas de pensar, estudar, trabalhar, se divertir. Segundo seus depoimentos, nem a um filme são capazes de assistir, sempre com essas ideias intrusivas de contas e mais contas enlouquecendo-as.

Infelizmente, a saída é o silêncio:

“quando a construção do eu na sua relação com o polo paterno não está a seu alcance, o sujeito se vê numa situação de procura ativa, não de uma unidade, mas do nada, isto é, de uma redução de tensões ao nível zero” (Bidaud, 1998, p.97)

Como elas mesmas dizem: “Eu não quero me matar, só quero ficar quieta…

Eis aí o enigma: para a jovem identificada com a mãe, a Anorexia foi o único recurso para diferenciar-se dela. Ganhando peso, aproxima-se perigosamente daquele “espaço de tentação” e domínio em que já esteve presa. Ganhar peso seria perder a identidade adquirida a duras penas.

O desafio na clínica

Qual o papel da Psicanálise frente a um sintoma assim tão grave?
Segundo Jeammet (1999), seria o de compreensão dessa patologia, deixando de associá-la à histeria, como o fazia a Psicanálise tradicional, e dirigindo o foco para o narcisismo e as relações objetais. Segundo esse autor, nenhum tipo de personalidade ou organização psicopatológica vai explicar a gênese do transtorno alimentar, uma vez que a relação que esses sujeitos mantêm com o alimento apontam para um modo de relações de objeto. A anorexia e a bulimia apontariam para uma fragilidade narcísica, um arranjo defensivo, em que as relações com objetos materiais substituem as relações humanas, sentidas como perigosas. A aproximação afetiva com alguém é sentida como uma ameaça narcísica, o que explicaria, segundo ele, a resposta depressiva à melhora do seu estado. Abandonando as condutas anoréxicas, a paciente estende sua conduta anoréxica a outros investimentos, levando a uma fase depressiva do seu estado.

Diante de um corpo que se mostra descarnado, em que não há metáforas, o que interpretar? Como se pergunta Jeammet, como responder psicodinamicamente a uma paciente que se apresenta com uma demanda comportamental? Uma possibilidade seria “adotar uma série de abordagens que poderiam ser qualificadas de comportamentais, mas que são utilizadas com a finalidade da perspectiva psicodinâmica, a saber, restaurar sua capacidade interna de fazer um trabalho de elaboração psíquica” (Jeammet, 1999, p.48).
Um contrato de peso – em que um limite de peso é estabelecido para o tratamento -, por exemplo, atenderia à linguagem que elas falam, e ao mesmo tempo faria a função terceira ou função paterna, que tanto lhes faltou.
O desafio que a anoréxica nos impõe, ainda, é o de compreender que o seu sintoma é o resultado de um meio supremo de expressão. O perigoso, segundo Jeammet, é entrarmos no desafio de impor-lhes uma cura por meios coercitivos.

Se, como dizem, nada funciona na Anorexia, é justamente porque esse é o desafio delas.
Ou seja: realizar o luto demandado pela separação da díade mãe-filha, que parece ter sido possível sintomatologicamente pela Anorexia. Com o ganho de peso, porém, o que temos é a notícia do fracasso desse luto, que agora é vivido patologicamente como melancolia.

Seguindo essa linha de raciocínio – de que o sintoma anoréxico é a salvação psíquica dessas meninas – ainda que com o risco da morte real – impõe-se a necessidade de um acompanhamento psicoterápico que reconheça essa dinâmica.
No entanto, esse é um longo processo, ainda mais se levarmos em conta que elas se apegam ferrenhamente aos seus sintomas e que não as temos como aliadas ao tratamento.
Frente à crise, à beira da morte, há uma urgência tal que outras linhas de acompanhamento, tidas como comportamentais, são bem-vindas.

No entanto, essas linhas psicoterápicas, ainda que eficazes na rápida supressão dos sintomas, e por isso mesmo indicadas em momentos de crise, justamente por focar apenas esse aspecto, a longo prazo apresentam resultados pouco efetivos.
Realmente, uma teoria só não dá conta da clínica, mas fiquemos atentos. Como afirma Mezan, “o olhar severo de Freud paira sobre nós todos, advertindo-nos que o enigma e a esfinge não desaparecem pelo expediente de voltar a cabeça e sonhar que eles não existem.” (1998, p.15).

Bibliografia

Bidaud, E. Anorexia mental, ascese, mística. Rio de Janeiro. Companhia de Freud, 1998
Dolto, F. A imagem inconsciente do corpo. São Paulo. Perspectiva, 1992
Freud.S. Luto e Melancolia. Obras Completas, v.XIV. Rio de Janeiro. Imago, 1974
_______Feminilidade. In Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Op. Cit, v.XXII
Jeammet, P. Abordagem psicanalítica dos transtornos das condutas alimentares. In Urribarri, R. Anorexia e Bulimia. Sao Paulo. Escuta, 1999
Mezan, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo. Perspectiva, 1998
Moreira, A C.G. Clínica da melancolia. São Paulo. Escuta/Edufpa, 2002
Urribarri, R. Anorexia e Bulimia. São Paulo. Escuta, 1999
Violante, M. L. V. A criança mal-amada. Petrópolis. Vozes, 1994
Winnicott, D.W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre. Artes Médicas, 1983

Artigo originalmente publicado In Anorexia e Bulimia –uma visão multidisciplinar. Bucaretchi, H.A(org). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003, p. 125-135.

Psicanálise de Transtornos Alimentares.

Psicanálise de Transtornos Alimentares.

Psicanálise de transtornos alimentares traz importantes reflexões que resultam do exercício clínico da psicanálise e do estudo sistematizado para compreender o funcionamento metapsicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosas.

A obra, que reúne artigos dos mais renomados especialistas em transtornos alimentares, nacionais e internacionais, representa a união de esforços em torno do compromisso de divulgar informações sobre patologias alimentares cuja prevenção e tratamento demandam uma nova abordagem. No prefácio, as organizadoras Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg, coordenadoras da Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia e autoras de artigos publicados na obra, destacam: “(…)

Seguindo o nosso compromisso com a clínica e com a pesquisa, reunimos neste livro psicanalistas que compartilham esses ideais. Contamos, assim, com a colaboração tanto de autores membros da CEPPAN – que têm nos acompanhado ao longo destes anos –, como com autores convidados, que têm contribuído para a compreensão e a sustentação da psicanálise no campo dos transtornos alimentares. Os artigos contemplam construções metapsicológicas e teórico-clínicas, preocupações atuais como o aumento da procura por tratamento de homens, os desafios da técnica, a posição do analista nos casos de difícil acesso e manejo, as questões transferenciais e contratransferenciais que, acreditamos, oferecerão referências àqueles que como nós dedicam-se ao estudo dos transtornos alimentares, portanto, consolidando o método psicanalítico como abordagem de tratamento para essas patologias”.

  • Capa comum: 284 páginas
  • Editora: Primavera PSI; Edição: 1 (24 de maio de 2013)
  • Idioma: Português
  • ISBN-10: 856197723X
  • ISBN-13: 978-8561977238
  • Dimensões do produto: 22,8 x 16 x 1,8 cm
  • Peso de envio: 522 g

Sabores inconscientes. Receitas sem culpa.

Sabores inconscientes. Receitas sem culpa.

Reunião de contos e relatos escritos por psicólogos e psicanalistas, na qual o tema é a culinária, ou seja, os pratos que ficaram na lembrança de cada um, em etapas diferentes da vida. Os relatos se dividem entre os sabores ternos da infância; os intensos, da adolescência; os picantes, da maturidade; e, ainda, os sabores transmitidos de geração a geração. Cada autor fornece a receita de seu prato, num convite ao leitor para participar do “banquete de letras”. O livro forma um painel da memória sensorial, abrindo portas para outros conhecimentos e descobertas acerca de nós mesmos. A enóloga Jane Senna e o jornalista Renato Machado comparecem com harmonizações de vinhos preciosas… Tim, tim!

  • Capa comum: 204 páginas
  • Editora: Sá; Edição: 1ª (15 de março de 2016)
  • Idioma: Português
  • ISBN-10: 8588193353
  • ISBN-13: 978-8588193352
  • Dimensões do produto: 16,6 x 17 x 1,4 cm
  • Peso de envio: 299 g

Transtornos alimentares: Uma questão cultural?

Transtornos alimentares: Uma questão cultural?

Transtornos alimentares:
uma questão cultural?

A Negativização do Corpo na Bulimia e Anorexia Nervosa

Ana Paula Gonzaga / Cybelle Weinberg

Resumo

A literatura especializada aponta para uma correlação entre abundância de alimentos e incidência de transtornos alimentares na população. A experiência das autoras em instituições não confirma essa correlação. Observam que muitas das pacientes atendidas, oriundas de um meio social bastante pobre, apresentam uma diferenciação cultural significativa em relação ao seu meio. Essas diferenças parecem remetê-las a questões mais profundas em que a anorexia ou a bulimia as lança. O artigo desenvolve essa temática tendo por eixos a adolescência, o corpo e o narcisismo.


Eating Disorders: a Cultural Question?
The denial of the body in Anorexia and Bulimia

Abstract

Specialized literature points to a link between abundance and eating disorders in a given country’s population. The authors’ experience at different institutions did not confirm this link. Observation shows that many of the patients they attended on – all of them from a very poor social class – present a significant cultural differentiation in terms of their social status. These differences seem to lead them towards deeper questions provoked by anorexia and bulimia. Our present article – whose core are adolescence, the body and narcissism – develops this theme.


Trastornos de la alimentación: un problema cultural?
La negación del cuerpo en la Bulimia y en la Anorexia nerviosa

Resumen

Encontramos en la literatura especializada sobre el tema, una relación entre la abundancia de los alimentos y la incidencia de trastornos de la alimentación en la población. La práctica de las autoras en las instituciones no confirma esa relación
Lo observado muestra que muchas de las pacientes atendidas pertenecen a una clase social bastante pobre, presentando una diferencia cultural importante con relación a su medio.
Esas diferencias parecen remitirlas a cuestiones mas profundas que la anorexia o la bulimia las lanzan. El artículo desenvuelve esos temas teniendo por eje la adolescencia, el cuerpo y el narcisismo.


Les Désordres Alimentaires : Une Question Culturelle ?
La négation du corp dans la Bulimie et L’Anorexie Nerveuse

Résumé

La litératture specialisée présente une corrélation entre l’abondance des aliments et l’incidence des désordres alimentaires parmi la population. L’experience des auteurs chez quelques instituitions ne confirme pas cette corrélation. Ce qu’elles ont observé montre que beaucoup de patientes originaires d’une classe sociale trés pauvre et avec un différentiel culturel significatif quant à la rélation avec leur millieu. Ces differences semblent être liées à des questions plus profondes et provoquées par l’anorexie ou la boulimie. Cet article a développé cette thématique ayant comme directrice l’adolescence, le corps et le narcissisme


Os estudos sobre Transtornos Alimentares apontam normalmente para uma maior incidência, senão uma exclusividade, desses transtornos nas classes sociais privilegiadas. O nível sócio econômico seria assim um critério importante na determinação dessas patologias, associado aos ideais de um corpo magro como padrão de beleza ditado pela moda e portanto perseguido por jovens adolescentes suscetíveis à mídia cultural.

É significativo o número de trabalhos que apontam para a relação entre riqueza e transtornos alimentares. Falceto e col. (1993), citando Flaherty, destacam: “As condutas anoréxicas, em especial dietas excessivas e obsessivas, tornaram-se muito freqüentes em grandes parcelas da população, em especial nas classes sociais mais altas, ao longo da última década” (p.11). Ou ainda se faz uma relação entre abundância e privação voluntária, tal como descrito por Gabbart (1998): “A anorexia nervosa e a bulimia nervosa parecem ser transtornos de nossos tempos. A mídia eletrônica bombardeia o público com imagens de mulheres esbeltas que estão com tudo” (p.247). Em muitas áreas da cultura ocidental a comida existe em abundância, uma pré-condição para a conduta alimentar excessiva. “Os indivíduos afetados por esses transtornos tendem a ser caucasianos educados, do sexo feminino, com vantagens econômicas e assentados em culturas ocidentais”, Johnson e col. (citado por Gabbart [1989], p. 248). Ou ainda “a anorexia nervosa é virtualmente desconhecida em países onde a magreza não seja considerada uma virtude”, Powers (citado por Gabbart [1984], p. 248).

Nessa mesma linha encontramos autores ainda mais enfáticos como Pinto (1994), que exclui o terceiro mundo da possibilidade de registrar os transtornos alimentares como uma patologia presente na população, já que pela escassez de alimentos o acento estaria colocado em outro ponto. Anorexia e bulimia, segundo Pinto, seriam raras nesses países.

Selvini-Palozzoni (1985) estabelece, igualmente, uma correlação entre transtornos alimentares e abundância. Baseando-se na absoluta escassez de casos registrados durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália, e no aumento da freqüência desses transtornos, paralelamente à recuperação econômica do pais, Selvini-Palozzoni conclui que um sujeito só pode impor-se um rígido jejum quando o alimento é abundante.
No entanto, há dois anos atendendo pacientes portadores de anorexia nervosa e bulimia em duas instituições brasileiras com uma demanda social importante, nossa observação difere um tanto dessas afirmações. Nosso trabalho vem acontecendo no ambulatório infanto-juvenil de transtornos alimentares do Hospital das Clínicas de São Paulo (PROTAD), no qual participamos como psicanalistas em uma equipe multidisciplinar e na Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia do Instituto Sedes Sapientiae – SP (CEPPAN), onde desenvolvemos exclusivamente a psicanálise de pacientes com anorexia e bulimia. Vimos nos deparando com casos clínicos que nos levam a refletir sobre essa questão tão pontual. Até julho de 2002 acompanhamos 30 pacientes – 15 anoréxicas e 15 bulímicas – com idades entre 13 e 36 anos. As tabelas abaixo mostram essa distribuição por serviço e por classe sócio econômica:

* Para os padrões do DSM IV apenas 2 (duas) pacientes atendem todos os critérios diagnósticos; as demais têm como diagnóstico Transtorno Alimentar Não Especificado.

 

Os dados mostram uma distribuição que expressa a realidade brasileira. Embora esses serviços sejam públicos, a falta de centros especializados em transtornos alimentares faz com que recebamos pacientes provindos de todas as classes socioculturais. Temos observado, de fato, uma não prevalência de classe social na incidência dessas patologias.

Também é expressiva a demanda que se reproduz nas diferentes instituições: o PROTAD atende em regime ambulatorial e conta com uma equipe multidisciplinar (psiquiatras, endocrinologista, nutricionistas, terapeuta familiar, terapeutas comportamentais e psicanalistas) e recebe um número significativo de pacientes anoréxicas. Já o CEPPAN trabalha exclusivamente com psicanálise e recebe, predominantemente, pacientes bulímicas; o que nos leva às seguintes considerações:

1)   as anoréxicas são levadas compulsoriamente pela família para as consultas;
2)   o trabalho em equipe, com a inclusão da família, favorece o engajamento da paciente anoréxica, sempre resistente ao tratamento;
3)   as pacientes bulímicas têm alguma demanda para a análise e se vinculam melhor ao analista;
4)   o PROTAD é um ambulatório infanto-juvenil, atendendo pacientes com até 18 anos, compreendendo assim a faixa etária de maior incidência da eclosão da anorexia; já o CEPPAN não tem restrição de idade, e nossa amostra engloba pacientes mais velhas (16 a 36 anos), em que predomina a Bulimia Nervosa.
5)   a anorexia é mais facilmente identificada pela família, o que facilita uma intervenção mais precoce; diferentemente da bulimia, que ganha status de segredo, dependendo da própria paciente, muitas vezes, a busca por tratamento;
6)   a dinâmica psíquica que envolve anorexia e bulimia são diferentes, o que nos leva a pensar que a crítica em relação à doença esteja um pouco mais preservada na bulimia.

Tem chamado nossa atenção o fato de que, via de regra, essas pacientes se diferenciam de maneira significativa de seu próprio núcleo familiar e até mesmo de sua comunidade. São normalmente meninas que se destacam em seus estudos, têm um vocabulário bastante rico para sua idade e cultura de origem, envolvem-se com questões sociais, sobressaindo-se e tendo acesso a uma ordem cultural que sua família não tem. Quando vistas com seus familiares, faz-se perceptível essa diferença.
Essas diferenças parecem remetê-las a questões mais profundas, encenadas num quadro de anorexia ou bulimia.

A própria adolescência, período em que se iniciam os transtornos, traz em si a problemática da diferenciação e esse degrau existente entre essas meninas e seu meio sociocultural parece incrementar as dificuldades próprias da idade. O apelo da mídia e a imposição de um ideal estético funcionariam apenas como um recurso ou um deflagrador de uma conflitiva já presente nessas meninas.

Que conflitiva seria essa?

Pensemos no que acontece com uma menina quando entra na puberdade. Ainda bastante infantil, vê seu corpo se modificar e se assusta frente não só às novas sensações que esse corpo lhe propicia mas também ante o que o seu corpo possa vir a despertar no outro. O temor dessas novas relações faz com que essa menina, já crescida, se aproxime da mãe de uma forma ambivalente. Num pedido de socorro, busca aquela mãe nutriz e protetora dos momentos precoces de sua infância, revivendo com ela um vínculo pré-edípico. Ao mesmo tempo, esse vínculo é perigoso, ainda mais num momento em que ela precisa diferenciar-se e separar-se de sua mãe. Ela quer e não quer identificar-se com esse modelo.

Esta reflexão nos leva a considerar que os aspectos envolvidos no desencadeamento de um transtorno alimentar vão muito além da pressão da mídia, ainda que ela possa ser, repetimos, um fator desencadeante, na medida que em que essas meninas espelham-se na moda para diferenciar-se de suas mães e conquistar, a duras penas, uma identidade própria.

Gonzalo Morande (1995) observa que a moda e a mídia são realmente responsáveis por alguns padrões sociais, como por exemplo o bronzeamento do corpo e a magreza, e que sem dúvida as classes mais privilegiadas têm acesso mais rápido a essas demandas. Mas acrescenta que, “curiosamente, estas enfermidades seguem um canal epidemiológico tal qual a moda; se iniciam nos países ricos, nos ‘centros da moda’ e se estendem entre as classes sociais altas, para logo, em dez anos, alcançar e afetar a população como um todo” (p. 39), [livre tradução]. De alguma maneira essa é uma observação que nos faz sentido, já que nos últimos vinte anos cresceu o número de pacientes com anorexia e bulimia em nosso país.

Não duvidamos que as classes sociais mais altas ditam modas e costumes, mas temos claro que os transtornos alimentares não lhes são um privilégio. Eles nos remetem a mecanismos mentais presentes em qualquer classe social.

A. 17 anos, paciente atendida no PROTAD, mora numa casa de dois cômodos com a mãe, o padrasto e a avó, com quem divide a cozinha para dormir. Nasceu raquítica, por conseqüência da desnutrição de sua mãe durante a gravidez, e foi alimentada com água e fubá até os quatro meses porque sua mãe não tinha leite, também em decorrência da desnutrição. T. desenvolveu há um ano e meio um quadro de anorexia após uma dieta que iniciou para esperar, “mais bonita”, o namorado que estava para chegar de viagem. A. teve muita dificuldade para aderir ao tratamento e acabou por abandoná-lo.

Outro caso ilustrativo é o de B., atendida no CEPPAN, negra, pai pedreiro, mãe faxineira, que estudou em escola pública e iniciou um curso em faculdade particular, mas que abandonou no 1º ano. B. guardava secretamente recortes de revistas com reportagens ou propagandas de lugares que, segundo ela, “jamais freqüentaria”: discotecas da moda, lugares chiques; adorava ver vitrines caras e elegantes de moda feminina.
Com esses recortes queremos marcar que consideramos importante o impacto que as demandas sociais impostas pela moda e pela mídia exercem sobre o sujeito, viabilizando um arranjo psíquico favorável à irrupção de patologias como a anorexia e bulimia arranjos estes que, independentemente do nível sócio econômico, vão ao encontro das demandas narcísicas tão intensas nessas pacientes.

O ideal faz sempre parte de seu discurso: ser magra não é suficiente, o que está em jogo é um corpo imaginário perfeito. E o que observamos é que tudo na vida dessas meninas e mulheres sempre está atravessado pelo perfeito, pelo ideal; diante de um olhar que flagra uma imperfeição – “você está gordinha!” – vale tudo para alcançar o objetivo de um corpo supostamente ideal. E elas nos contam como a mídia as faz crer que o sinônimo para esse ideal é a magreza. “Comecei a prestar atenção nos outdoors, todas as modelos são magérrimas!”, nos diz C., 17 anos. “Quando assisti Matrix fiquei impressionada com o corpo daquela atriz dentro daquela roupa de couro. É o máximo! Tinha que ser como ela!, nos conta uma outra paciente. E ainda uma terceira: “Ninguém dá emprego a gordo, eles também são exceção na TV.”; “Na escola fui muito humilhada quando era gordinha”.

A sociedade faz assim sua parte enaltecendo o corpo descarnado das modelos e atrizes, criando uma cultura do corpo magro em detrimento do corpo saudável. O glamour do mundo fantástico da TV e da moda parece fazer uma importante ressonância ao narcisismo dessas pacientes.

Outro dado marcadamente presente em nossa observação se faz na maneira como essas meninas nos configuram o início de sua doença. Poderíamos representá-la na seguinte frase: “Certo dia alguém me olhou e disse: nossa, como você está gordinha!”. Essa fala se faz presente na grande maioria dos casos que acompanhamos. Todas nos remetem a uma cena em que algo de seu corpo não atende aos ideais estéticos, como já assinalado, num momento em que o corpo também dá notícias de modificações importantes, especialmente o surgimento das características sexuais secundárias. Muito já se falou sobre o incômodo com o corpo que deixa de ser infantil, sobre os conflitos com a feminilidade e a conseqüente tentativa de minimizar ou apagar as formas redondas do corpo feminino; o que também nos é muito claro.

Joel Birman (2000), afirma que “a subjetividade sofrente tem um corpo e que é justamente neste que a dor literalmente se enraíza. A rigor não existe o sujeito e seu corpo, numa dualidade e polaridade insuperáveis, mas um corpo-sujeito propriamente dito.” (p 21). E assim nos alerta para a “surdez” que podemos incorrer no ofício de psicanalizar se esvaziarmos o sujeito pulsional de seu corpo. Impossível negligenciá-lo diante da violenta magreza anoréxica. Voltemos à questão que elas nos impõem: ‘alguém olhou’. Se a articularmos com o apelo do ideal estético podemos dizer, concordando com Birman, que estamos assistindo, nas últimas décadas, a um movimento que conjuga uma nova forma de subjetivação, em que predominam o autocentramento do sujeito no eu e, paradoxalmente, o valor da exterioridade. Com isso, “a subjetividade assume uma configuração decididamente estetizante, em que o olhar do outro no campo social e mediático passa a ocupar uma posição estratégica em sua economia psíquica” (p. 23).

Podemos também considerar que esse olhar do outro traduz o impacto do ser visto. Ao acompanharmos o pensamento de Green (1988) em suas postulações sobre o narcisismo deparamo-nos com o papel fundamental do desejo e sua relação com o objeto da falta na construção da identidade do eu e conseqüente configuração do narcisismo de vida. Porém, como nos diz Green, nem sempre essas realizações do narcisismo são bem sucedidas; os sentimentos resultantes da percepção do eu distante e separado do outro, do descentramento, revelam ódio, ressentimento e desespero. A configuração de unidade do eu perde seu alcance e um outro processo é deflagrado: a busca ativa das reduções da tensão ao nível zero. “A procura de satisfação prossegue então fora de qualquer satisfação – como se esta tivesse realmente ocorrido – como se tivesse encontrado seu bem no abandono de toda busca de satisfação” (p. 23). Tal postulação sem dúvida nos remete às manobras psíquicas que assistimos nas relações das anoréxicas e seus objetos. Além disso, essa compreensão do narcisismo de morte nos permite pensar que se o objeto relacional também é o corpo, este se encontra, aqui, negativizado.

Essa afirmação se configura no discurso de D., 36 anos: “Acordei durante a noite e não sabia o que sentia; tinha um mal estar, um desconforto. Fiquei me perguntando: estou com sede? Levantei e tomei água, não passou. Estou com fome? Levantei e comi, não passou. Xixi? Cocô?”… O não reconhecimento das próprias demandas corporais remete-nos ao desconhecimento do próprio corpo.

A busca pelo não-corpo, pelo não-ser-vista, parece realizar o não descentramento do eu. O conflito que presenciamos parece então revelar por um lado a luta que se trava para suportar a demanda da re-significação do processo de independência e separação que a adolescência impõe; e por outro, a tentativa desesperada de permanência na indiscriminação. A não-metabolização, a não-digestão desse processo, tem sua melhor expressão na anorexia e bulimia: as fantasias de preenchimento e esvaziamento vão tomando o lugar na cena psíquica.

E. 15 anos, mulata (mãe negra, pai branco): “Segunda feira fiquei sozinha em casa, minha mãe havia feito um bolo, estava no forno, comi dois pedaços e depois meio pacote de bolacha que há muito tempo não comia. Fiquei me sentindo muito mal, pensei em vomitar, minha mãe não estava em casa e não ia ficar sabendo. Cheguei a ajoelhar na privada, mas pensei e desisti”. No contexto que E. traz essa situação pode se perceber suas dúvidas em relação ao que e quanto precisa, quanto precisa. Pode ficar só? Saber que sua mãe não está a autoriza a agir por si fazendo-a deparar-se com seus desejos e com sua falta de contenção.

Em outro momento E. traz uma questão tão banal da adolescência – sou grande para assumir responsabilidades e pequena para me divertir – que também é transposta para o corpo e a comida: “ Cheguei da academia e os meus pais me mandaram comer dizendo que eu não comi nada, disseram que eu só iria fazer academia duas vezes por semana. Fui comer chorando, não consigo expressar direito, não é tudo minha culpa, só que eu agravo os problemas, como no final de semana, tinha uma pia cheia de louça , eu disse que não lavaria, eles começaram a brigar, dizendo que eu sou fútil, só penso na academia, no meu cabelo … Toda adolescente tem um final de semana diferente, o meu não, é sempre igual, minha mãe falando que a fulana come ‘cheese salada’, mas como eu vou comer? Vai vir no meu quarto? Agora minha mãe está lá embaixo deprimida, triste, faço tudo, não como nada, tento fazer a dieta certa, mas nunca está bom, todo mundo sai no fim de semana!”

Este exemplo evidencia o modo como a sintomatologia dos transtornos alimentares se valerá dos conflitos próprios da adolescência para sua expressão: a briga travada com o corpo e a comida será modulada também pelos conflitos típicos da idade. Ainda que a dinâmica da anorexia imponha sua própria singularidade.
Articulando as idéias de Birman e Green, podemos supor que, se o que se faz predominantemente presente nos distúrbios alimentares é um corpo negativizado pelo narcisismo de morte, quando este é convocado à exterioridade – alguém me olhou –, toda a conflitiva que as primeiras identificações sofreram é evocada. O que nos leva a considerar o enlace com o corpo materno e suas consequentes fantasias, que tentam reverter seu caráter mortífero pelo ideal da imortalidade. Éric Bidaud (1998), ao tratar da conduta anoréxica, aponta o refinamento dessas fantasias ao ligar a noção de tentação promovida pela relação de domínio entre mãe e filha nos e o consequente sistema de identificações. Associa a conduta anoréxica à noção de tentação, entendida como uma relação mortífera com o objeto da necessidade. O espaço de tentação, por sua vez, representaria o laço entre a mãe e a filha anoréxica, sob o domínio do desejo incestuoso da mãe. Impossibilitada de ser “tocada” pelo desejo do pai, a sedução paterna, entendida como uma fantasia organizadora que introduz ao complexo de Édipo, estaria inacessível à menina. O autor propõe ainda que essa dominação amorosa, exclusiva da relação mãe-filha, deva ser re-situada no desenvolvimento e nos fracassos da sexualidade feminina. Concebe, ainda, a anorexia como uma forma “moderna” e exemplar de um conflito específico do feminino. A mãe de uma paciente bulímica nos conta assim: “Antes da G. ter diabetes nós comíamos um pote de sorvete juntas, tínhamos compulsão! Agora fazemos dieta, só que às vezes ela come demais e vomita. Ela vomita a minha parte!”.

Poderíamos então pensar que aquilo que a anorexia e a bulimia encenam é justamente a fantasmatização dessa relação tão precoce entre mãe e filha, atravessada pelo narcisismo, dificultando o processo de diferenciação, quer pelo luto que se impõe, quer pela intrusão da imago materna.

Assim, uma das afirmações anteriormente citadas, a de que um sujeito só pode impor-se um rígido jejum quando o alimento é abundante (Selvini-Palozzoni), pode ser transposta para um outro contexto e compreendida à luz desses processos como um apelo do sujeito que foi atendido apenas em suas necessidades. Seguindo Lacan, a criança mimada pela mãe pode recusar o alimento para recriar uma falta que esta preencheu. “Em lugar daquilo que não tem, (a mãe) empanturra-a com o mingau sufocante daquilo que tem, isto é , confunde seus cuidados com o dom do seu amor.” (citado por Bidaud [1998], p. 21).

Finalmente, sublinhamos que, diante de uma vivência que implica diferenciação, o psiquismo pode responder por condutas desesperadas na tentativa de apagar essas diferenças que de alguma maneira lhe contam sobre seu desamparo como ser único. Atender à uma demanda cultural pode ser uma tentativa, ainda que ilusória, de pertencimento.

Referências bibliográficas:

BIDAUD, E. Anorexia Mental, Ascese, Mística. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1998.
BIRMAN, J. Mal-estar na Atualidade – A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de
Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2000.
FALCETO e col., “Anorexia Nervosa: querem que eu viva?”, In: Revista ABP- APAL 15 (1): 11-16, 1993.
FLAHERTY, J.A. e col. Psiquiatria: Diagnóstico e Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas,
1990.
GABBARD, G. O. Psiquiatria Psicodinâmica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
GREEN, A. Narcisismo de Vida Narcisismo de Morte. São Paulo: Ed. Escuta, 1988.
MORANDE, G. Un Peligro Llamado Anorexia – La Tentacion de Adelgazar. Madrid, Ediciones Temas de Hoy, 1995. .
PINTO, C. P. F. “ Prevalência de Transtornos Alimentares no Terceiro Mundo”. In: Revista
Psicoanalisis com niños y adolescentes, 1994, n. 6.
SELVINI-PALOZZONI, M. Anorexia Nervosa. A syndrome of the affluent society. Transcultural Psychiatric Research Review, 22, 199-205, 1985

* Artigo publicado originalmente na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, ano VIII, n. 1, mar / 2005, 30 – 39.


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